O Direito do consumidor é reconhecidamente um direito humano fundamental, conforme dispõe o artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição da República Federativa do Brasil, norma imperativa e de aplicação imediata. Tal proteção foi regulamentada por meio da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa e Proteção do Consumidor).

Um dos meios de comunicação mais utilizados atualmente é a Internet (rede mundial de computadores, o mundo do world wide web), cujo número de usuários que a acessam é cada vez maior. Para que possam usufruir informações e benefícios advindos da rede ou para que possam realizar negócios é necessário preencher eletronicamente questionários com seus dados pessoais. Mas, como serão utilizadas essas informações? E no caso da contratação de um serviço ou do fornecimento de um produto, qual a proteção que as partes terão? Essas são algumas dúvidas que ainda atormentam os que desejam contratar pela Internet.

Assim, muitas são as facilidades oferecidas nesse meio: a comodidade de adquirir algum serviço ou produto sem sair de sua residência (ou local de trabalho); preços mais em conta; a possibilidade de comparar preços entre as várias lojas virtuais etc.

Vale ressaltar que a primeira expressão de contratação por meio digital surgiu há mais de vinte anos com o referido EDI (Eletronic Data Interchange), a troca eletrônica de informações mediante a utilização de computadores. Esse sistema computer-to-computer, rapidamente ingressou no comércio mundial.

Com o desenvolvimento tecnológico, além desse meio, os contratos passaram a ser celebrados por outros bastante utilizados na Internet como, por exemplo, a troca de mensagens pelo correio eletrônico (e-mail) e o oferecimento de propostas em uma página (homepage) ou em ambiente digital (mantido pelo provedor e também conhecido por “estabelecimento virtual”), nos quais a aceitação da outra parte pode ser expressa pelo pressionamento de um botão “concordo” na tela do computador (o chamado click-wrap agreement ou point-and-click agreement).

A aplicação do Código de Defesa do Consumidor para os contratos de consumo firmados na Internet e o Projeto de Lei nº 4906/2001, de iniciativa do Senado Federal, que aguarda aprovação pelo Plenário da Câmara, são alguns exemplos de regulação normativa que precisam de mais atenção dos operadores do direito.

O Projeto de Lei nº 4906/2001 consolida entendimento já firmado na jurisprudência e na doutrina, ao dispor em seu artigo 30 que “aplicam-se ao comércio eletrônico as normas de defesa e proteção do consumidor vigentes no País”.

Destaca-se que, quem presta o serviço de conexão entre os milhões de computadores que integram essa grande rede é chamado provedor. Como não há exigências especiais, não é difícil montar uma empresa com tais finalidades, cujo funcionamento não fica na dependência específica de quem quer que seja, nem mesmo da Anatel.

O provedor de Internet pode prestar uma variada gama de serviços. Assim, pode-se ter provedor de acesso, provedor de serviços de correio, provedor de informações ou de conteúdo e provedor de serviços de hospedagem.

O provedor de acesso é aquele que presta serviços de conexão à internet, por meio de equipamentos e programas indispensáveis à implementação dos protocolos da Internet (Internet protocol, conhecido pela abreviatura IP). É um intermediário entre o equipamento do usuário e a Internet. Isso só será possível se os computadores, entre outras exigências, falarem a mesma linguagem e tiverem endereço conhecido. Em outras palavras, um computador só poderá utilizar os serviços disponíveis na Internet se contar com software IP. O provedor de acesso é, portanto, um intermediário, a quem cabe o papel de conectar o equipamento do usuário e a Internet, como o faziam as telefonistas de outrora que, de seu posto nas centrais telefónicas, incumbiam-se de realizar as ligações interurbanas.

Não resta dúvida de que um provedor de acesso é também um prestador de serviços técnicos engajado contratualmente como intermediário entre os utilizadores de internet.

Os provedores de serviços de correio não se confundem com os anteriores e deles não prescindem. Por seu intermédio, coloca-se à disposição do usuário um sistema de correio eletrônico, que permite a troca de mensagens, além de reservar ao usuário uma “caixa postal”, através de um computador chamado servidor de e-rnail. Esse computador armazena as mensagens recebidas na caixa postal e as transfere ao usuário, de quem também transmite as mensagens por ele geradas.

Provedor de informação é o organismo cuja finalidade principal é coletar, manter ou organizar informações on-line para acesso por meio da internet por parte de assinantes da rede. Essas informações podem ser de acesso público incondicional, caracterizando assim um provedor não-comercial ou, no outro extremo, constituir um serviço comercial no qual existem tarifas ou assinaturas cobradas pelo provedor. (VASCONCELOS, 2007, p. 68).

A definição da propriedade do conteúdo nesses provedores é importante para delimitação de responsabilidades. Conteúdos próprios ou diretos resultam das informações elaboradas por quem também é o realizador da página ou site, a exemplo de notas ou artigos publicados, cujos autores pertencem ao próprio provedor. Por sua vez, conteúdos indiretos, ou de terceiros, estão relacionados aos links existentes nas páginas ou sites, não sendo a informação ali constante gerada pelos próprios mentores desses locais. Entende-se por links o conjunto de indicações constantes de páginas ou sites, capazes de levar o navegador internauta a ampliar o seu raio de informação ou navegação. Há links estritamente ligados ao conteúdo da página ou site e outros que figuram como mero material informativo, sobre os quais o provedor não tem qualquer ingerência. No primeiro caso, havendo dano, haveria responsabilidade objetiva; no segundo, subjetiva. (VASCONCELOS, 2007, p. 72).

O provedor de serviços de hospedagem (internet Service Provider) é um prestador de serviços que coloca à disposição de um usuário — pessoa física ou provedor de conteúdo — espaço “em equipamento de armazenagem, ou servidor, para divulgação das informações que esses usuários ou provedores queiram ver exibidos em seus sites.”

Esses provedores prestam variados serviços de armazenamento ou hospedagem, quase sempre voltados à exploração comercial. São mais conhecidos entre os internautas por hosting, que é também a denominação dada ao contrato, gratuito ou não, pelo qual o prestador de serviço concede ao seu co-contratante o direito de alojamento de arquivos que serão disponibilizados ao grande público. É a união do provedor de acesso com o de conteúdo.

No caso do uso da Internet, foi visto que o provedor é uma empresa que coloca a disposição de um usuário o acesso à rede mundial de computadores. Então, tem-se numa ponta um prestador de serviços e na outra, alguém, pessoa física ou jurídica, que se vale desses serviços. Projeta-se essa relação à
luz do Código de Defesa do Consumidor, Lei n. 8.078, de 11.09.1990.

Analisando-se o sistema de responsabilidade no Código de Defesa do Consumidor, verifica-se que, ao nascimento da obrigação decorrente de uma relação de consumo, aplicam-se as regras do CDC, não se questionando se a responsabilidade adveio ou não da celebração de um contrato. Almeida e Wada1, estribados no Direito Civil clássico, acentuam que, seja contratual ou extracontratual, a responsabilidade no referido Código será sempre objetiva.

As definições do consumidor e fornacedor à luz do Códogo de Defesa do Consumidor, em vista dos termos abrangentes desse diploma legal, deixa fora de dúvida a existência de uma relação de consumo entre o provedor e o usuário. Verificado o liame, cumpre averiguar em que extensão ele produzirá efeitos jurídicos entre um e outro, como partes, e entre usuário e provedor, quando este figurar na relação apenas como interveniente.

É de se ter presente que, além do Código de Defesa do Consumidor, há várias outras leis que, em determinadas situações, podem ser aplicadas nesse tipo de relação. Por exemplo: Lei n. 1.521/1951 (dispõe sobre os delitos contra a economia popular), Lei Delegada n. 4/1962 (trata da garantia da livre distribuição de produtos de consumo), Lei n. 7.347/1985 (especifica procedimentos para ação civil em face de danos causados ao consumidor), Lei n. 8.137/1990 (define os crimes contra as relações de consumo).

Não se pode perder de vista — como o assinala Bernardo Rücker2 — que o consumidor, nesses contratos, é altamente vulnerável. Lembra que, ao citar a Internet, fala-se em tecnologia de ponta, dominada por poucos. Daí surge a vulnerabilidade dos navegadores, não só pelo poderio econômico dos grandes provedores e fabricantes de softwares, mas, também, pela falta de esclarecimentos e conhecimentos sobre a tecnologia, a linguagem e o protocolo da rede.

É de se não perder de vista que o contrato é tipicamente de adesão e a contratação dos serviços quase sempre se dá sem contato direto entre as partes, realizando-se através de contrato-padrão, disponibilizado na própria rede.

Logo, como conclui Rüeker3, aos contratos de provedor de Internet aplicam-se todas as normas do Código de Defesa do Consumidor, “principalmente no que tange à reparação de danos”. E, de acordo com o artigo 14 do referido diploma legal, a reparação dar-se-á independentemente da existência de culpa, trata-se de responsabilidade objetiva.

Só não será responsabilizado, em consonância com o parágrafo 3º do mencionado artigo, se provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste, ou que o defeito do serviço originou-se de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Numa relação contratual por meio virtual, o provedor poderá figurar como parte, mas, em algumas ocasiões, poderá ser mero interveniente, simples intermediário. Em sendo parte, e descumprindo o contrato, ou não o cumprindo a contento, responderá por isso, podendo o prejudicado pleitear a resolução do ajuste e requerer a respectiva indenização por perdas e danos, se for o caso. Isso poderá ocorrer, exemplificativamente, no âmbito de suas atividades, nas hipóteses de má qualidade dos serviços de conexão, como deficiência de transmissão de dados, dificuldade de acesso ou mesmo indisponibilidade do sistema, falhas no que concerne ao sigilo e, o que é pior, na segurança dos sites4. A falha na segurança já tem sido objeto de vários problemas. Para evitar a prática de atos criminosos dos chamados hackers e crackers, entre outros refinados delinquentes virtuais, esforços têm sido desenvolvidos no sentido de criar barreiras de proteção (firewall ou assemelhados).

Nos contratos que têm por fim o acesso, isto é, os serviços de conexão, para maior garantia do provedor, devem os consumidores ser esclarecidos sobre aspectos técnicos dos serviços, tais como suas limitações e riscos a que podem ficar sujeitos, a fim de que possam formar sua convicção e melhor exercer seu poder de opção, na escolha da prestadora. Devem, também, os usuários ser devidamente orientados sobre cuidados imprescindíveis, visando à sua própria proteção, como as cautelas na utilização da senha de acesso, para evitar seja ela usada por pessoa não autorizada.

Quando o dano advém do inadimplemento de alguma cláusula contratual a responsabilidade já estará definida neste, cabendo apenas ao “credor-usuário” demonstrar a sua ocorrência. Dessa forma, o onus probandi caberá ao provedor, o qual deverá provar alguma excludente admitida em lei, como a culpa exclusiva da vítima, caso fortuito e força maior.

A relação contratual existente entre provedor e usuário é uma relação de consumo, tendo como amparo legal o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). Assim, uma característica importante da relação aqui analisada é a hipossuficiência e a vulnerabilidade do usuário frente ao provedor de acesso, tendo em vista que a tecnologia utilizada pelos provedores é de conhecimento técnico de poucos fazendo com que o consumidor fique em uma posição de desvantagem no campo probatório. Nestes termos, faz-se mister, a inversão do ônus da prova, passando ao provedor a incumbência de demonstrar que o fato não ocorreu ou que está presente alguma excludente de responsabilidade prevista em lei.

Nota-se, portanto, uma tendência generalizada dos provedores de internet em argüir que figuram numa condição de mero intermediário, mero veículo, sem nenhuma responsabilidade ou intervenção nas relações existentes na rede, o que demonstra justamente o temor à responsabilização civil e devem ser tidas como inexistentes.

Já, diferentemente dos provedores de acesso e de e-mail, o provedor de conteúdo é responsável por aquilo que registram suas páginas na web. É de se advertir, entretanto, que o provedor de conteúdo, proprietário do site, não se confunde com o provedor de serviços de hospedagem, que é o armazenador do site.

Assim, parece incontestável que o provedor de conteúdo que se dedique à venda de produtos ou serviços, por intermédio de seu website, por eles se responsabilize, e, de acordo com as normas do Código de Defesa do Consumidor, como verdadeiro fornecedor o provedor de serviços de hospedagem ou armazenamento não é responsável, como antes dito, pelo conteúdo dos sites que hospeda, uma vez que sobre eles não tem qualquer ingerência. O site é como um cofre no qual seu proprietário guarda o que lhe for conveniente ou útil; o provedor de hospedagem apenas o armazena. Como não tem acesso ao conteúdo do cofre, por ele não pode se responsabilizar. Nisso, também se equipara ao provedor de acesso. Aberto, contudo esse cofre e verificada a ilegalidade do conteúdo, assiste ao provedor o direito de imediata interrupção do serviço, sob pena de também ser co-responsabilizado.

Ainda, Fernando Antônio Vasconcelos:

“Para que o hosting fosse responsável, necessitaria que o usuário, sentindo-se prejudicado, comunicasse que, em determinado local, estaria acontecendo um fato antijurídico. Se, devidamente alertado, o hospedeiro não tomasse qualquer providência, aí sim, seria considerado responsável, pois teria se omitido na prevenção ou coibição de um fato danoso.” 5

Diante desta instabilidade legislativa e jurisprudencial acerca do tema, o provedor de Internet, conforme a opinião do advogado Renato M. S. Opice Blum6, deverá, preventivamente, rever e aditar os contratos celebrados com seus respectivos clientes (hóspedes) de modo a garantir a possibilidade legal da participação conjunta em processos judiciais.

Portanto, mesmo na ausência de legislação específica sobre a matéria, os princípios legais ora existentes já se encontram aptos a delinear a responsabilidade dos provedores e demais atuantes na Grande Rede, devendo sempre ser obedecidos a fim de possibilitar a pacífica convivência de cada indivíduo nessa poderosa comunidade mundial.

Autoras: Ana Verena Leal Rezende e Laíse Cerqueira de Souza
(Acadêmicas do 10° período de Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana, Bahia.)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA. Maria da Glória V. B. G.; WADA, Ricardo M. Os sistemas de responsabilidade no Código de Defesa do Consumidor: aspectos gerais. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: n. 41. p. 185-204, jan/mar 2002.

BLUM, Renato M. S. Opice. O Novo Código Civil e a Internet. Jus Navegandi, Teresina, a. 7, n. 63, mar. 2003. Disponível em: Acesso em: 06 de julho de 2007.

CORRÊA, Gustavo Testa. A lei e o comércio eletrônico. Disponível em . Acesso em: [06/07/2007].

RUCKER, Bernardo. Responsabilidade do provedor de internet frente ao Código do Consumidor. Disponível em: Acesso em: [29/03/2007].

VASCONCELOS, Fernando Antônio de. Internet: Responsabilidade dos provedores pelos danos praticados. 1 ed. 5. tir. Curitiba: Juruá, 2007.